19.2.10

sim, meu irmão, um dia chegará a hora de vestir novo fato. meter a cabeça no silêncio. construir nova infância.
até lá remamos. com braços de leme. grito de farol quando um barco se despenha. poderia falar-te da morte. mas é de vida que os mares são feitos. nossas rugas assinaladas são férteis memórias. o que dói é tudo o que está vivo. escuta-te para lá dos ossos e da carne. recorda-te que ao subires o monte também cresces. porque algo em ti renasce a cada instante. e não há poema maior do que o céu em noite de s. joão. sim, meu irmão, espero-te no cume desta montanha, o amor é já, mais intenso que uma colina, dedos na boca de um assobiador que chama pelos pássaros. vem, meu irmão, subir a terra, olhar o sexo do mar, entender de vez o sistema lunar. diz-me lá se não é bom estarmos aqui nestas alturas, tão próximos do céu que a verdade é uma cereja em nossos lábios


***

Não existe noite neste lugar: que são músculos salientes da terra. por aqui passaram poetas e trovadores, cientistas e saltimbancos, na tentativa de tocarem no céu. os pastores conhecem os trilhos, traçados pelos cascos dos animais. sabem que mais ali existe um rio pelo cheiro das amoras silvestres, pela chuva que cai e no chão da terra desenha um mapa. Os pastores tocam flauta como se fosse assobios de anjos. olha meu filho, vê os cavalos no expoente máximo da liberdade! pede ao arcanjo miguel que assim sejas quando fores grande. dar-te-á asas se à noitinha lhe pedires conselho. não temas a noite nem tão-pouco o uivo dos lobos. eles são ventos que outrora também foram à escola aprender. sabias que o senhor Torga passou por aqui e deu nome às pedras e às plantas? sabias que o silêncio da noite é uma pausa para olharmos as estrelas nos seus esplendores? çalca as botas, chama pela tua ovelha e vai. diz à mãe que acenda a lareira no quintal. esta noite, enquanto sujamos a boca com os grelhados e o eco do riso se prolongar até ao amanhecer, o poço vai encher-se de estrelas.

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