26.7.11


Enquanto estiver a escrever um poema não me chamem para a mesa
Não me perguntem se amanhã vai estar bom tempo
Não questionem a minha existência
Não me convidem para orgias
Não me digam que a morte vem a correr como uma louca
Não façam caso de mim
Façam de conta que estou a morrer pela minha mão.

Enquanto escrevo um poema sou outro
Outro que eu desconheço nem lembro nem palpito
O meu sangue é burguês e gosta de inventar tornados
O meu coração é um esquizofrénicozinho
Porque a vida, meus senhores,
A vida é um escândalo e a morte é pornográfica!

Enquanto estiver a escrever um poema não me falem em tísicas fulanas
Não me matem mais do que já estou
Não me excitem o perónio
Nem me congratulem com santinhos para a cabeceira
Ignorem que estou a desistir
A ser fatal em cada movimento

Não vêem que estou a dar à luz um relógio de sala?

Não me ponham espelhos côncavos na frente
Nem navios a afundar.
Preciso de concentração para morrer
De me espetar contra o tempo como água no fogo
Ir a todos os fins e perceber que a realidade é pura ficção
Ir a colóquios sobre artes marciais e sair de lá mais pensativo que o mar.

Enquanto escrevo um poema finjo que o mundo me pertence
Entretenho-me a ruir-me e a arvorar-me de novo
A ser mais ridículo que a solidariedadezinha.  

Enquanto escrevo um poema inverto deus, sacudo-o,
E alimento o espírito com uma tal solidão de olhos azuis
Portanto, meus senhores,
Deixai-me escrever e ter saúde para abrir buracos na água.
Façam de conta que o parvo aqui sou eu!

1 comentário:

  1. Olha, passei por aqui e li, aliás já tinha lido e comentado, sabes que gosto muito de ler as tuas coisas e acho que vou passar aqui mais vezes.

    beijo :)

    carolina

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