18.5.10


Não se recorda há quanto tempo ali está, não sabe os anos que tem, nem sequer o que fora em tempos se é que algum dia chegou a ser alguma coisa. Diz que talvez tenha sido carteiro, cobrador, polícia ou barbeiro... pode ter sido tudo isso, uma das coisas ou coisa nenhuma. Pelo modo como fala, até pode muito bem ter sido doutor! Mas... o que importa isso? O que poderá interessar o passado de uma alma da qual ninguém se interessa no presente? Não se lhe conhecem amigos nem família; pelo menos, ninguém aparece para a visita.
Sabe, isso sim, cantigas de cor de outros tempos idos, que, por um qualquer motivo, lhe ficaram intactas num recanto da mente onde tudo o resto se diluiu ou deformou. Recita-as pomposamente como se declamasse poesias, num tom de voz potente e bem colocado, devolvendo à lucidez um pequeno instante que se escapa da loucura que normalmente lhe habita a mente, como se fosse um cão a morder-lhe o cérebro, constantemente...

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