23.5.11


sinto-te ó poesia, todos os dias!

estou a precisar de ouvir a tua voz
com essa tua melancolia lá no meio dos sons
preciso de ouvir a chuva
e saber como se levanta a pedra onde jaz o silêncio
preciso de um pouco de poesia sem palavras ou letras
um poema feito de clara e gema 
com todas as doçuras que o mundo tem
preciso de te olhar como a primeira vez
em busca daquele segundo onde reina a eternidade
precisa que venhas buscar ao mar alto
onde as ondas são apenas parte de mim
quero crescer a teu lado
começar a minha infância em ti
ver que no teu corpo há uma extensão de mim
e beber do teu sangue para que o meu ganhe mais valor
preciso de morrer para acordar outra vez pela primeira vez
sentir os teus dedos na minha primeira pele
ser o teu bebé que há-de ser grande como tu
e cantar e dançar e voar
na planície que deus mandou fazer pela conta
preciso de ti ó bailarina
ó pátria minha
ó sustentável som
ó minha ideia renascentista
ó lusitana que um dia partiu para o outro lado do mar
e que foste mas aqui deixaste
o teu nome e a tua casa
para que eu cuide do rés-do-chão da memória
preciso que me ames com ternura e violência
que descubro que em ti me perco
que sem ti não há mar nem astrolábios
porque és a planta curandeira da febre que me assa
és a curva que se endireita
és o sol noite e dia sem cessar
és a intensidade
do poema
da
vida
da habitação
em nós
nomeada
serei nómade para te encontrar

isso é subir ao alto do vento
dormirei em saco cama para te sentir de igual à terra
porque só tu és terra e ar
ter a escorrer pelo rosto, a mansidão dos livros
é herdar o colo
um livro a sonhar
em cada página que somos
e sentir as gaivotas e os covos aos pés
amo-te, e não te saberia dizer de outra maneira
e despir-me com as folhas dos teus olhos
caminhar numa ponte verdadeira
chorar certas palavras que só tu sabe as dizer
o som das laranjas do teu térreo, sei
sei apanhar sobretudo o que existe dentro e fora do muro
je t'aime
je connais ton coeur
curvo-me diante da voz antiga
recebo o mistério do tempo
le monde c'est um pomme de terre
e ouço atenta os passos do meu destino
mo cherri, io non parlo francês
 
dá-me a tua voz
dá-me o teu fôlego cansado
dá-me tudo o que nada quiseres
os teus cabelos
as tuas mãos enterradas na areia
dá-me a luz da tua luz
o segredo que nela escondes
dá-me o vento para o barco
o desejo de parir secretamente um poema a dois
dá-me o barco e diz-me como se guia na noite
quero o teu húmus sobre a minha pele
a tua língua ressuscitada
dá-me a pronuncia o inverno
dá-me com os braços a bússola


dá-me tudo isso
dá-me o teu sexo embrulhado na toalha fina do amor
os teus pés
os teus olhos
o teu tesão
dá-me o que não dás a ninguém
só a mim
dá-me a fruta para eu morder
a delinquência de amar


muros altos dos meus antepassados
uma campina ao lado
para correr de leve e bater asas
e um principio de voz da terra, sobre a janela
me dizia para que tecesse a memória do caminho
se eu morrer agora, que seja num poema teu
para que numa só palavra, me devolvas á vida
e acordei rio no dia seguinte
num pais verde e amarelo
com um sol grande ao meio
a derramar-se

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