18.7.11

 
 
Ainda bem que chegaram. 
Esperei todos estes anos por vós.
Executei poemas de pulsos abertos para vos dar o melhor. 
Caminhei para o fogo por achar que o fogo seria Deus de braços abertos.
Por favor, sentem-se, sentem-se.
Assistireis daqui a minutos à minha morte. Nada de arrepiar, nada de transcendente.
Trouxe-vos uma morte sem grandes tormentas, sem grandes manobras cinematográficas; uma morte branca, sincera, fenomenal.
Podeis observá-la de olhos abertos, muito abertos, até perto de criar dor.
Prometo que será bela como um poema do Eugénio. Será tão pedagógica quanto uma ausência.
Tão útil quanto um livro sobre jardinagem. Feliz como os caminhos de uma febre alta.
Vai valer a pena terem vindo assistir à morte do artista que por amor se fará cadáver.
Prometo não sujar os vossos pensamentos. Estudei a minha queda com precisão analítica.
Resolvi exercícios de amor atando duas flores com um fio grosso de silêncio.
Fiz sucessivas regressões e vi que a infância é um lugar sem tempo.
Portanto, quando a minha morte começar, não me atirem flores, mas sim poemas que falem daquilo que o mar é incapaz de acolher. Atirem-me restos de luas que vos ficaram entre dentes. Atirem-me o desejo, atirem-me os vossos sexos coroados de nomes.
Não chorem. Guardai as lágrimas para partos mais difíceis.
Não cantem. Deixai que o silêncio entre em constelação.
Não virem a cara ao lado. Saibam vós que um poeta nunca morre, vai escrever para outro lugar.
Deixem-se estar mais um pouco.
Só mais um pouco.
Aqui não há quem morra. Aqui não há quem viva. 
Porque, enquanto se sonha, o abismo fecha-se.

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