31.7.11

cadáver





lucian freud




quando escrevo fico assim: sem alma. sem sorriso. sem olhar. sem saliva. só tenho ouvidos para johann sebastian bach [orchestral suite no. 3]. a música antecipa a morte das palavras – sei que palavras morrem quando as separo do corpo que as guarda – escrevo como andorinhas fazem ninhos. uma palhinha daqui. uma folhinha dali. uma gotinha. um pedaçinho de chuvinha. uma varanda protegida do vento norte e por fim o verão a dizer que tudo terminará com o outono – partem como palavras ao encontro de calor. de tempo. que se repete num outro lugar. uma outra varanda. um novo abrigo – a mesma forma de voar – na terra o mesmo jornaleiro. cava-a sem saber se planta uma semente ou a morte – encontrar palavras é dor – descobrir a palavra que é mais palavra deixa a boca sem ar. os dedos envelhecem. suspiram. suam. gritam. pedem clemência [não sou escritor]. agoniam. vomitam. depois caem as unhas. de seguida o cabelo. os olhos. a carne e por fim surge um esqueleto que não conheço – sou eu nu. complemente nu e vocês a verem tudo em mim – eu sou como palavras mortas –




sampaio rego



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