2.7.11

Desci do autocarro e caminhei sem grandes pressas. Tinha tempo, de modo que lá fui devagar a apreciar o começo de dia farrusco mas quente. Ao meu redor, mais passos ritmados se encaminhavam ao mesmo destino. Uns mais apressados do que outros, mas todos no mesmo sentido. Ao fundo, os mesmos gémeos que já não via há anos, lado a lado, caminhavam em silêncio enquanto me cruzavam o caminho. Parei por instantes e fiquei a aprecia-los, cada vez mais de longe, até desaparecerem do meu horizonte. As mesmas batas brancas, iguaizinhas, denunciavam a profissão que ambos escolheram: médicos neurologistas. Vinte e cinco anos separavam o tempo daquele instante, desde a primeira vez que os tinha visto e no entanto, apesar da falta de cabelo e da cor esbranquiçada do restante, o mesmo aspecto... tudo se encaixava direitinho no cenário, como se o tempo nunca houvesse passado. Desde esse dia, de vez em quando acontecia voltar a encontra-los, sempre à mesma hora, pelo mesmo caminho, cruzando-me com os seus destinos...
Desconheço se construíram ou não carreiras familiares, no entanto, ali e enquanto caminhavam, eram como um só. Mas gosto de os imaginar a partilhar o mesmo automóvel que conduzem à vez, a partilharem a mesma casa, a dormirem no mesmo quarto em camas lado a lado, a lerem os mesmos jornais que vão trocando e sentados em poltronas lado a lado. Provavelmente a verem o mesmo programa de televisão porque é do agrado de ambos. Sentados à mesa frente a frente (como se se mirassem a um espelho silencioso e cada um reflectisse nos olhos do outro a imagem de si mesmo). A atenderem e a baralharem os seus doentes em gabinetes que por sua vez também se encontram lado a lado( - Desculpe Doutor, mas ía jurar que o tinha visto entrar ali para a porta ao lado)...
Após dedilhar nas teclas do relógio de ponto o meu número mecanográfico e de a máquina me devolver o meu nome como prova de que leu correctamente as minhas impressões digitais, olhei para as horas e reparei que se os gémeos se tivessem atrasado por qualquer motivo hoje, iria chegar atrasada ao trabalho sem necessidade nenhuma. Mas não; ao invés de ponteiros que se perseguem os gémeos são sempre meticulosamente certinhos. O relógio marcava 07. 58h.

Sem comentários:

Enviar um comentário