18.7.11

há vida dentro de nomes






                                         foto do euleuterio ramos




tenho vontade de matar complementos indirectos. atrapalham o andar pelo tamanho que ocupam – no bolso uma vida agarrada a palavras que nunca usei – há palavras que não servem para nada. nem como pedras que se arremessam – o embaraço é o de não saber desenvencilhar-me dos complementos que me entulham os bolsos. sem utilidade. nunca encontram a preposição: a ou ao. ficam sempre no eu – a vida não pára  – mascarados de probabilidade tornam-se complemento directo relevante. influenciam a forma como equilibro a serenidade do que antevejo. do que me faz sentir – fico aborrecido. impertinente. irritado. obrigado a fazer uso de um juízo cada vez mais escasso mas que ainda conservo e domina os impulsos irracionais – mas a vida está cheia de complementos que não complementam nada – ah! complementos que não complementam. ninguém escreve uma expressão destas num texto que quer falar de complementos indirectos que vivem sem nome para quem ouve. mas que dentro de mim gritam. como sinos que tocam quando alguém morre. até fazer sangrar os ouvidos de quem como eu conhece a dor de não ser ouvido – não tenho coragem para dizer nomes. ainda escrevo há pouco tempo e os nomes vêm de tão longe. fizeram comigo caminhadas. noitadas. gargalhadas. e houve dias que me abraçaram como se abraçam amigos. crescemos – há vida dentro dos nomes que não compreendo como imaginava compreender –  os corpos mudam de voz e eu mudei de ouvidos. é o tempo  – queria ouvir-me na boca dos outros – louco. desconhecia que surdos não reconhecem sons – muitas vezes não entendo tudo que gostava de entender. por defeito meu. não nasci para ouvir tudo de qualquer forma. há sons que não reconheço – é triste saber que nunca serei capaz de ouvir sons que todo o mundo ouve – é triste sentir as palavras chegar à boca sem força. e nos lábios. a medo. deixam-se cair como se só a morte fosse capaz de produzir o ruído certo. a ser ouvido por qualquer orelha – mas sei que a palavras não percebidas só lhes resta a morte – todas as palavras querem  som. todas as palavras querem sentido – todas as palavras querem honra – sou um estranho aos ouvidos de quem ouve – os nomes passam. param à saída dos bolsos curiosos pela quantidade de complementos indirectos ainda sem nome. debruçam-se. contam até três e partem com a pressa dos surdos – o mundo é um silêncio – impertinentes. pregam como se o que não ouvem não existisse – começo a acreditar que estes complementos talvez façam parte de mim. talvez tenham crescido com as pernas. com os bolsos das calças. talvez trocar de calças seja a solução – mas a vida está difícil – talvez a solução seja cortar-me pela cintura. deixar as pernas levar os bolsos e com eles toda a vida que juntei em volta destas palavras que não servem para nada – o tronco. os braços e cabeça descansariam então em forma de busto. cinzelado em granito preto repousariam em paz para sempre numa qualquer galeria de antiguidades perdidas. naquelas lojecas que mistura a verdade dos tempos com a mentira das imitações  – os bustos não falam e muito menos têm bolsos ou nome –




sampaio rego



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