Goya
O medo nasce com o primeiro grito de vida. Depois, com o tempo a caminhar descontroladamente pelas mãos, descobrimos que a imortalidade não existe. Gritamos mas já não vamos a tempo de mudar nada do que está para trás. A história está feita. A foto é real, em cima da cómoda, em momentos desordenados o tempo parado, pendurado na verdade de um passpatour preenchido de sorrisos instantâneos. Afinal nunca estivemos parados. Descobrimos o que sempre soubemos nos silêncios. Estamos perturbados, questionamos se a correria é igual para todos ou se foi uma escolha nossa, talvez uma mescla de destino, sorte, azar e encontros que não controlamos. Aquela criança que ainda ontem tinha dado o grito da vida, mais não fez do que expandir os pulmões, sugou todo o ar que cabia dentro de si e nunca mais parou de correr. Correu, correu, correu sem perceber que os pés estavam sempre à frente do corpo, e os olhos, loucos pelo que viam, corriam ainda mais do que as pernas, descansavam no infinito, esperavam todos os dias o amanhecer, só eles sabiam que ainda havia muito por ver. Ver é voar para lá do corpo. Todos os corpos têm asas. Como diz um amigo meu, todos os corpos são gaivotas, vivem pousados em vento, o destino é feito pelo tamanho das asas. Chegamos onde as asas nos levam, o vento sempre existiu, a dúvida é: erro ou destino? Nunca saberemos, talvez as duas coisas, talvez a mutabilidade do corpo, talvez da mente, talvez sem saber nascemos umas quantas vezes, e estamos sempre a dar gritos de sobrevivência. E agora? Agora corremos, em sufoco, queremos chegar ainda a tempo de recolher todas as lembranças para dentro de um corpo que, sem darmos conta, está ocupado de quinquilharias. Não há espaço, só há espaço no futuro que continuará a fluir para a frente dos desejos. Temos medo de perder as mãos, os olhos, as pernas, o saber, a sensibilidade, o carinho, temos medo de perder esta forma de escrever. de dizer coisas. Não podemos perder o que resta do tempo, andamos enquanto pudermos, na praia, olhamos enquanto pudermos, os amigos, usamos as mãos enquanto pudermos, para abraçar, escrevemos enquanto pudermos, afecto, sensibilidade, paixão e alegria, por cada dia de conquista, como aquele em que demos o primeiro grito.
– Comentário feito a um texto publicado por uma amiga no facebook, Maria Dolores Marques –
José Luís Lopes
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