17.7.10

poema de pedra e flor

Oh não, sou um velho malcriado
não pago a conta da luz
não cheiro como devia cheirar
não planto nem semeio nada
tenho inveja a quem não tenha inveja
a quem não peca nem deixa pecar
tenho gula de nada querer, nada enfeitiçar
nem uma mulher de muletas para que caminhe
nem tão pouco daquele homem a cuspir a dor
Sou um velho sem bússola e sem caminhos
de vez em quando dá-me uma dor no peito
mas isso é dos livros que ando a ler
entre marés

Desço na vida, subo na morte
A fantasia é um bosque no meio de um bosque
Ai de mim se conseguisse partir o sol em três
e cantasse orgiasticamente ao luar do luar
Ó desejo, és tudo o que olho e não vejo!
Ó Deus, tanta saudade e nenhuma lembrança!

Não publico livros desde 1997
Assassinei vinte mil leitores com a palavra amor
a outros tantos fiz corar
pedindo que amem e que sejam felizes nessa ganância

Levaram-me o coração para provar que sou bandido
Espetaram-lhe a noite mais noite que a noite
Compararam o sangue ao leite materno
Adiaram-me o desejo de ser pedra
mas, como só acharam poemas e cigarros,
fecharam-me num livro

Agora, neste quinto andar da maresia,
repouso a cabeça num poema,
e adormeço sem estar agarrado a nada.
Excepto a cabeça no poema,
a ganhar flor

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