14.2.12

manifesto






                    foto de samuel aranda vencedora do “world press photo" 2011





não me peçam para esquecer que hoje é sábado – não. não me peçam para esquecer as centenas de camionetas-gente que na estrada protestam contra o desemprego. a noite a roubar o último lamento de calor ao sem-abrigo ou o desespero do filho da nação a gritar por um dia de trabalho – não. não me peçam para esquecer o pai envergonhado por não saber explicar ao filho o porquê da falta de pão. o homem-desalento que debaixo de um cobertor fino de lã chora por não conseguir cobrir o silêncio-vergonha ou aquele que em desespero se despediu da vida convencido que era ele o mal do meu mundo – não. não me peçam para esquecer o operário sentado à porta da fábrica a ouvir o silêncio das máquinas. o campo esquecido do lenço preto na cabeça da ceifeira. o pescador irritado por não saber do seu mare nostrum. ou o trespasse das ruas vazias colado aos vidros cobertos de pó – não. não me peçam para esquecer o zeca afonso. o cravo de abril que pariu a grândola vila morena. a utopia de uma esquerda vencida pela evolução do tempo. a direita da auto-regulação fabricada pelo político sofista. a ganância do banqueiro-cimento –não. não me peçam para esquecer o desespero da mãe que perdeu o filho numa guerra de conveniência. o corpo retorcido do velho que morreu esquecido no frio da cidade. o marginalizado pela diferença. a doença do serviço nacional de saúde. o acesso sem acesso ao conhecimento. a justiça desigual para o rico e para o pobre – não. não me peçam para esquecer gandhi. mandela. martin luther king. a fé no homem. gedeão com “o sonho comanda a vida”. a liberdade-vento tomada com sangue ao totalitarismo. ou a caminhada-sacrifício da raça humana ao longo da linha do tempo – não. não me peçam para esquecer que a vida é trabalho-honra. descanso-paz. palavra-arte que rola dentro do movimento de translação. desde que o homem descobriu o fogo – não. não me peçam para esquecer o berço da europa: solidariedade-grega sim. dos sem terra. de áfrica. do buraco do ozono ou do animal perdido para sempre – não. não me peçam para esquecer que amanhã é domingo – não.não me peçam para esquecer que de nada me serve ser homem se não sou humano – não me posso esquecer – não me vou esquecer





sampaio rego









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