29.1.10

sexto andar

O homem acabou de se lançar do sexto andar. Podia ter escolhido outro andar mais alto ou mais baixo, mas não, preferiu aquele e nem sequer lá mora. É um sexto andar igual a um sexto andar em todo o mundo. O seis é uma representação numérica para que saibamos quantificar.
O seis nesta Lisboa é igual a seis em Chinatown ou em Moscovo. Os sextos andares são bons para quem está a aprender saxofone. O som mistura-se na leveza do vento, transportando-o para outras janelas dos edifícios. E passa paredes também.

As pessoas interrogam-se: por quê do sexto andar se o seis nem é número misterioso? Talvez fosse o único que tivesse o parapeito com todas aquelas flores e uma rede para baloiçar. A escolha de um número pode não ser à toa. Se o homem escolheu o piso seis é porque algo no seis lhe fez pensar com excesso de maturidade. Uma briga com a amante que mora no sexto andar? Ou uma questão básica de raciocínio? Do tipo: foi a partir do seis que ele se atirou como podia ter sido do vigésimo.

Na cabeça da ciência a resolução pode ser essa, mas na minha não cabe tal explicação. A decisão do homem em se ter atirado do sexto andar pode-se dar ao facto de o número seis ter alguma vantagem em relação aos outros números.
Que eu saiba na história o seis não é uma data com registos heróicos relevantes nem marco de alguma descoberta marítima ou científica. Seis pode ser o dia do seu aniversário e quereria ele morrer no dia em nasceu? Sim, pode, mas não creio. Seria lógico demais. Matemos esta hipótese.

Milhares de pessoas assistiram à queda do homem a partir do sexto andar. O que provoca dúvidas não é a morte mas sim o sexto andar, como já se perceberam. O 6 é uma ironia , pelo facto de ser um nove invertido.
Perguntam as pessoas cá em baixo: enganaria-se ele no número? O nove mata mais depressa. o nove tem o dez ali à beira, não há que duvidar. O nove é ímpar e, como ímpar que é não dá para duas pessoas repartirem por inteiro.

O homem morreu e disso não haja dúvidas. As pessoas choraram não o homem que se quedou mas sim o não saber a resposta ao número seis. Fizeram comparações com outros que se atiraram de outros andares, mediram distâncias do chão ao parapeito do sexto andar.  Pena que ele não tivesse ficado pelo menos meio-vivo para lhe fazer a pergunta directamente: por quê um sexto andar?, e ouvir da sua boca a resposta.  Depois, sim, podia morrer com a serenidade que desejou.

Não se deve morrer e deixar dúvidas nos que cá ficam.
É de mau gosto, acham as pessoas que, de tanto interrogar, de tanto interrogar, houve duas que, discretamente, movidas a silêncio, desviaram-se da multidão, subiram ao sexto andar, matando dúvidas em cada degrau, em cada piso acendia-se uma pista e, por saberem que a solução só se encontra no final ou, que os segredos só se descobrem quando metemos o focinhos bem lá no meio, fizeram questão em experimentar um sexto andar.

Depois,desta nova queda, alguém apresentou a solução: os sextos andares são surdos.
Detalhe pouco significativo: às seis horas da tarde, o coração do morto despertou como um relógio antigo de cabeceira. E as pessoas foram-se embora com a certeza que até a própria certeza levanta dúvidas.

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