14.2.11

porquê









não me venham dizer que afinal nunca estive ali. estive ali e aqui – estive dentro de um milhão de perguntas que nunca têm resposta. nem casa. nem adro. nem paz. nem guerra. nem nada – talvez seja culpa minha. talvez seja louco e não saiba quem sou. talvez não saiba o caminho para casa. talvez viva num manicómio pintado de branco. talvez esteja morto desde o primeiro dia que chorei. talvez seja uma gaivota cinzenta sem mar. talvez hoje não esteja a chover e a água que cai do céu seja apenas a fonte de todos os problemas a regar os jardins pendurados nos guarda-chuvas dos humanos loucamente felizes. talvez faça perguntas que nunca têm resposta. talvez afinal ainda seja criança – as crianças são sempre ingénuas. puras. mas ingénuas. para cada resposta encontram sempre mais um porquê – porque deus me fez assim. porque deus não vive na porta ao lado. porque deus não tem um carro desportivo – anda tão devagar. demora tanto tempo a chegar – talvez esteja velhinho. talvez não tenha carta. cansado de ser deus – vou inventar um deus. um que ainda ninguém adore. um que esteja pregado numa cruz. um que morra aos trinta e três anos. um que suba ao reino dos céus e se sente à direita do pai. um que ressuscite lázaro. um que saiba andar em cima da água. um que saiba o meu nome. um que viva não na minha porta ao lado. um que viva ao lado do meu mundo. o meu mundo com pessoas – bem sei que sou louco


sampaio(r)ego



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